O
Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a
discriminação por orientação sexual e
identidade de gênero passe a ser considerada um
crime
Dez
dos onze ministros reconheceram haver uma demora
inconstitucional do Legislativo em tratar do tema.
Apenas Marco Aurélio Mello
discordou.
Diante
desta omissão, por 8 votos a 3, os ministros
determinaram que a conduta passe a ser punida pela
Lei de Racismo (7716/89), que hoje prevê crimes
de discriminação ou preconceito por "raça,
cor, etnia, religião e procedência
nacional".
Votaram
assim Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Celso
de Mello, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Luís
Barroso, Luiz Fux e Rosa Weber. Dias Toffoli,
Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio disseram isso
criaria um novo tipo de crime, o que cabe
exclusivamente ao Congresso.
O
racismo é um crime inafiançável e
imprescritível segundo o texto constitucional e
pode ser punido com um a cinco anos de prisão e,
em alguns casos, multa.
O
debate foi realizado ao longo de três meses no
STF, e chegou a ser suspenso duas vezes neste
período. Ao todo, os ministros levaram seis
sessões para concluí-lo.
O
julgamento começou em 13 de fevereiro, quando
foram ouvidos os autores dos dois processos (ADO
26 e MI 4733) que levaram os ministros a debater o
tema, a Procuradoria-Geral da República (PGR), a
Advocacia-Geral da União (AGU), o Senado e grupos
favoráveis e contrários à criminalização da
homotransfobia.
Nas
duas sessões seguintes, o ministro Celso de
Mello, relator de uma das ações, apresentou seu
voto. O decano avaliou que o Congresso não ter
legislado sobre o assunto é uma "evidente
inércia e omissão", algo que Câmara e
Senado negam.
Mello
propôs que não seja fixado um prazo para que o
Congresso edite uma lei, como pedem as ações,
mas que, enquanto isso não for feito, a
homotransfobia seja tratada como um tipo de
racismo. Segundo Mello, o conceito se aplica à
discriminação contra grupos sociais
minoritários e não só contra negros - um ponto
controverso entre especialistas da área.
Na
quarta sessão, o ministro Edson Fachin, relator
da outra ação, concordou com Mello e defendeu a
aplicação da Lei de Racismo até haver norma
específica. Ele argumentou que a "omissão
do Legislativo" gera uma "gritante
ofensa a um sentido mínimo de
justiça".
"Nenhuma
instituição pode deixar de cumprir integralmente
a Constituição, que não autoriza tolerar o
sofrimento que a discriminação impõe",
disse Fachin.
Alexandre
de Moraes e Luís Roberto Barroso concordaram com
os relatores. Moraes disse que o Congresso sempre
ofereceu proteção penal a grupos sociais
vulneráveis, como crianças e adolescentes,
idosos, portadores de deficiência, mulheres e
consumidores.
"No
entanto, apesar de dezenas de projetos de lei, só
a discriminação homofóbica e transfóbica
permanece sem nenhum tipo de aprovação. O único
caso em que o próprio Congresso não seguiu seu
padrão", afirmou Moraes, que defendeu que o
STF não deve fixar um prazo para o Congresso
criar uma lei.
Barroso
ponderou que, quando o Congresso atua, sua vontade
deve prevalecer. "Se o Congresso não atuou,
é legítimo que o Supremo faça valer o que está
na Constituição", disse.
O
ministro afirmou ainda que fixaria um prazo para o
Congresso em circunstâncias normais, mas que,
como Câmara e Senado dizem haver projetos de lei
sobre o tema sendo apreciados, optou por não
fazê-lo.
Toffoli
suspendeu então o julgamento em 21 de fevereiro,
porque a votação havia se prolongado além do
previsto e teria de reorganizar a pauta do
plenário para prosseguir.
Quando
o julgamento recomeçou, em 23 de maio, Toffoli
anunciava que Rosa Weber daria seu voto, quando
Celso de Mello o interrompeu para dizer ter
recebido um comunicado do Senado.
O
documento informava sobre a aprovação pela
Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania
(CCJ) de um substitutivo do projeto de lei 672-19,
do senador Weverton Rocha (PDT-MA), que altera a
Lei de Racismo para incluir o preconceito por
orientação sexual e identidade de gênero, e do
projeto 191/17, do senador Jorge Viana (PT-AC),
que altera a Lei Maria da Penha para incluir
transexuais.
Quais
países já têm leis para punir este
preconceito?
Em
2014, a PGR manifestou-se a favor da medida.
Então à frente da instituição, o procurador
Rodrigo Janot citou a Declaração de Direitos
Humanos da ONU e outras legislações
internacionais ao destacar que "a edição de
normas penais para combater a homofobia e a
transfobia é um compromisso
internacional".
Um
levantamento da Associação Internacional de
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e
Intersexuais (ILGA, na sigla em inglês) mostra
que 43 países - ou 23% dos membros da ONU - já
têm leis contra crimes de ódio motivados pela
orientação sexual da vítima.
Elas
estabelecem crimes específicos ou consideram o
motivo um agravante para elevar penas de crimes
comuns. Em 39 países, há leis que punem
discursos que incitam o ódio contra essas
pessoas.
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